O efeito que as eleições e o vencimento da dívida terão na infraestrutura da Argentina e do Chile
Um relatório da agência de rating Moody's destaca como possíveis riscos para o setor de infraestrutura as eleições de 7 de maio relacionadas à nova constituição do Chile e as eleições presidenciais e parlamentares de 22 de outubro na Argentina, nas quais o partido governista enfrenta uma árdua batalha.
A BNamericas conversou com Daniela Cuan, vice-presidente e analista sênior da Moody's, para saber como riscos específicos podem afetar empresas em ambos os países.
BNamericas: Qual é o nível de pressão das empresas de infraestrutura no Chile e na Argentina em termos de vencimentos de dívidas?
Cuan: O que vai começar a acontecer este ano na Argentina é o vencimento das dívidas que as empresas começaram a reestruturar a partir das regulamentações do Banco Central. Em meados de 2020, as empresas que tinham vencimento em dólares podiam pagar 40% da dívida e refinanciar os 60% restantes com vida média de dois anos.
Alguns desses vencimentos estão caindo este ano, e a dúvida é qual decisão o Banco Central vai tomar. Por exemplo, se em agosto, setembro ou outubro de 2020 você pagou US$ 40 milhões e refinanciou US$ 60 milhões em dois anos, esses US$ 60 milhões vencerão no meio deste ano. A questão é se o Banco Central dará acesso a estes dólares.
O que a norma determina é que o banco dá acesso, mas as reservas estão um pouco pressionadas. O que acontece na Argentina é que nenhuma empresa com dívida em dólares tem acesso a estas moedas por conta própria e precisa sempre recorrer ao Banco Central.
No Chile, qualquer refinanciamento será feito a taxas mais altas, e aqueles com vencimento em 2023 terão que arcar com maiores custos financeiros. Também há mais volatilidade, e o que vimos no último ano é que o acesso ao mercado internacional ficou muito restrito, com pouquíssimas emissões de empresas daquele país.
Isto se deve em parte às condições do mercado, pois as taxas de juros subiram a um nível a que as empresas chilenas não estavam acostumadas. Embora isso tenha melhorado um pouco recentemente, não vemos um mercado muito ativo para as empresas chilenas.
BNamericas: O relatório da Moody's mencionou que o Chile terá problemas para aumentar as taxas devido a demandas sociais. Como isso afeta as empresas?
Cuan: Em 2019, as concessionárias de rodovias concordaram em não aumentar os pedágios acima da inflação geral. No entanto, essas taxas continuam a evoluir normalmente.
O caso das tarifas de energia elétrica é extremamente sensível, pois o mercado tem estado muito volátil e enfrentado todo tipo de aumento de preços acima do esperado, sendo o repasse desses custos de geração para as tarifas uma questão muito sensível, principalmente pelo que aconteceu com o aumento das tarifas dos transportes públicos em 2019 [que desencadeou uma revolta social].
As tarifas de eletricidade estiveram congeladas durante algum tempo, na expectativa de que entrassem licitações com preços mais baixos, mas ao mesmo tempo a aplicação de novas estruturas tarifárias de transporte e distribuição tem sido adiada.
Há também atrasos na implementação da PEC 2 [fundo de estabilização tarifária], que afeta as geradoras, porque a liquidez delas está um pouco pressionada.
BNamericas: Como o ciclo eleitoral da Argentina está afetando as perspectivas do setor de infraestrutura local?
Cuan: As empresas argentinas que atendem o consumidor final têm um atraso tarifário muito significativo, estão sempre atrasadas. O governo está tentando reduzir gradativamente os subsídios, mas isso sempre impacta mais no custo de geração e não tanto na margem de distribuição.
Uma medida que o governo tomou foi compensar de alguma forma o que as empresas deviam à Cammesa [administradora do mercado atacadista], para que tivessem um pouco menos de pressão. Mas já será difícil aplicar a retirada já anunciada dos subsídios, e ainda por cima há um novo reajuste tarifário que vai abalar o bolso dos consumidores com os níveis de inflação que temos.
Não vejo como em ano eleitoral as distribuidoras consigam recuperar custos com esses níveis de inflação.
No caso das geradoras, as tarifas para quem vende “energia de base” – sem contrato – para a Cammesa, voltaram a ser dolarizadas, o que traz certo grau de certeza.
Por fim, existem as geradoras com contratos de geração de longo prazo, e o ano eleitoral pode afetá-las de diversas formas. Em princípio, são contratos em dólares, e sempre foram cumpridos, embora haja atrasos significativos da Cammesa, que depende de repasses do Tesouro, e isto é um risco cotidiano.
BNamericas: O Chile também enfrenta um ano eleitoral relacionado ao processo constitucional. Isto representa um risco para o setor de infraestrutura?
Cuan: Essa possibilidade não faz parte do nosso cenário básico.
Mesmo com a proposta anterior da nova constituição, não vimos efeitos significativos para as empresas de infraestrutura. Não vimos nada que mude as regras do jogo.
O que vimos naquela proposta foi um foco muito forte no meio ambiente e na participação do cidadão no processo de avaliação ambiental. O que nos preocupava naquele momento é que os processos de avaliação ambiental já são bastante extensos. Além disso, com ênfase nessas questões e maior participação das comunidades, nossa preocupação era que esses tempos se prolongassem ainda mais.
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